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Carta de um programador a um cliente

Olá Sr. Cliente,
Você está bem? Como vai a saúde? Como está na faculdade? Tudo bem com a família? É bom às vezes perguntarmos como a pessoa está. Geralmente, quando as pessoas estão bem, rendem melhor, pensam melhor e resolvem tudo de forma mais rápida e até definitiva, quem sabe. Espero que realmente esteja tudo bem com o Sr.
Gostaria de dizer que seu software já foi entregue e sua equipe já foi treinada. Todos estão aptos a utilizá-lo, de modo a deixar sua pessoa cada vez mais rica. Foi entregue conforme combinado e nada mais tenho a desenvolver nessa fase. Infelizmente, e peço novamente desculpas por isso, não entreguei no prazo pontual, é bem verdade. Tudo que falarei sobre isso podem ser apenas desculpas, mas o Sr. já viu também sua parcela de culpa?
Lembremos que quando fui abordado tratava-se de uma solicitação para um sistema simples, o qual deveria ser feito em quinze dias no máximo. Dois problemas logo aí. O Sr. provavelmente nunca desenvolveu um sistema, logo, dificilmente saberá quando este é ou não realmente simples, muito menos se esse tem condições de ser feito em dez dias, quiçá quinze dias. Eu que trabalho com isso as vezes não consigo dar prazo, imagine quem não. Tudo bem, errei também em aceitar. A grana era boa, não poderia negar. Esqueci-me, todavia, que o dia só tem vinte e quatro horas. Nem mais nem menos. Na próxima eu acerto.
Vamos lembrar também que no quinto dia de desenvolvimento o Sr. resolveu que o sistema não seria m

ais simples. Agora ele seria um sistemão, lotado de integrações e com muito mais carga de dados. Besteira, sou bom, consigo fazer. Consigo mesmo! O problema é que não mais em quinze dias. O Sr. não abriu mão do prazo anterior. Me ofereceu mais dinheiro. Como sou um vendido, aceitei. Sabe o que aconteceu, amigo? Permite-me chamá-lo assim? Fiz diversos arranjos técnicos para que ele só e somente só funcionasse, algo que na gíria dos programadores (pedreiros e eletricistas também) é conhecido como gambiarra. Sim, o sistema está lento, e vai ser assim. Tudo tem suas conseqüências. Ora, quanto menos tempo para desenvolver, menos tempo para testar, menos tempo para aprimorar. Logo, a roda que te entrego agora vai limpa e seca, sem câmara de ar ou sequer algum requinte.
A culpa não é sua, peço novamente desculpas, mas eu tenho que desabafar. Como o Sr, já encontrei mais de vinte. Já acho normal. Até meu pai mudou quando se tornou meu cliente. Meu próprio pai! Para você ver que não é privilégio.
Sabe de quem é a culpa? Minha, meu amigo. Minha. Eu errei nem foi em ser mercenário ao aceitar seu dinheiro e virar quatro noites que me renderão, no mínimo, uma gripe pelo estado em que me encontro. Eu errei em ser programador. Minto. Eu errei em ser fornecedor. Deve ser por isso que faculdade de medicina é tão requisitada. Não quero julgar nem generalizar, mas o bom do médico é que ele não tem que entregar um produto, mas sim um estômago curado, por exemplo. Teoricamente, não dá para se fazer freelance disso, o maior mal que já aceitei para minha vida.
O melhor de tudo é que ninguém se mete a ser cirurgião. "Ah, abre o cara e é simples, é só cortar o intestino dele ao meio, costurar, fechar o grande corte, costurar novamente e pronto, tá entregue". Já viu alguém fazendo isso? No meu caso não todo mundo sabe que "é só fazer um sisteminha de login onde o cara bota o nome e pronto, aperta um botão". Paciência! Por que confiam nos cirurgiões quase que cegamente, mas não confiam em mim? Por que tem que me ligar todo dia sabendo como está meu trabalho? Sabia que dez minutos perdidos são realmente PER-DI-DOS? Experimente ligar para um cirurgião no meio de um trabalho e veja se ele vai te atender. Não vai, Cliente, não vai! E olha que teoricamente você teria a obrigação de ser atendido, afinal, você está pagando para ter sempre a razão. Não é assim que funciona?
Quer saber? Não quero seu dinheiro desta vez. É a última. Você é o representante da minha mudança de vida. Não há dinheiro que pague isso. Muito obrigado. Semana que vem eu vou fazer Medicina, ou sei lá, algo que realmente não entendam do que estou fazendo, que não me liguem na hora que estou fazendo e que seja crime fazer freelance.
Até a próxima. Até, sei lá, uma úlcera. Só assim você confiará sua vida em mim. Por que um software eu já vi que é caso perdido.
Abraço.
Ex-programador.

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